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Destaque27 de junho de 2025

A Business Judgment Rule (BJR) no Direito do Delaware e sua Influência no Direito Português

O estudo examina a Business Judgment Rule (BJR), originada nos EUA, mais especificamente no Estado do Delaware, e sua incorporação ao ordenamento jurídico português através do n.º 2 do artigo 72.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), contextualizando-a com os deveres fiduciários de cuidado e lealdade dos administradores.

1. Perspectiva Histórica da BJR no Delaware

A BJR emergiu no século XIX como resposta à necessidade de proteger os administradores contra a responsabilização pessoal por decisões de negócio mal-sucedidas, mas tomadas de forma informada, prudente e leal. O seu propósito é evitar o receio dos gestores de serem responsabilizados por falhas que não são previsíveis, o que poderia inibir a assunção de riscos legítimos e benéficos para as sociedades.

Essa regra não está codificada, mas é amplamente reconhecida pela jurisprudência e pela doutrina como uma presunção de que os administradores agem com boa-fé, de forma informada e no melhor interesse da sociedade. Essa presunção só é afastada mediante prova da violação dos deveres fiduciários.

2. Deveres Fiduciários: Cuidado e Lealdade

a. Dever de Cuidado

Refere-se à obrigação de os administradores tomarem decisões informadas, baseadas em diligência razoável. O emblemático caso Smith v. Van Gorkom demonstrou os limites da proteção conferida pela BJR: a decisão dos administradores foi considerada desinformada e negligente, afastando a aplicação da regra.

Esse julgamento gerou reação legislativa com a introdução do §102(b)(7) no Delaware General Corporation Law (DGCL), que permite cláusulas de exculpação estatutária, eximindo os administradores da responsabilidade por violação do dever de cuidado — mas não dos deveres de lealdade ou boa-fé.

b. Cláusula de Exculpação

A cláusula de exculpação [§102(b)(7) do DGCL] protege administradores por decisões negligentes, desde que tenham agido de boa-fé e que a cláusula esteja expressa nos estatutos. Essa disposição visa encorajar decisões arrojadas em contextos de risco, fundamentais ao ambiente capitalista norte-americano.

c. Dever de Lealdade

Esse dever impõe que os administradores atuem sempre no interesse da sociedade, abstendo-se de obter vantagens pessoais em detrimento desta. Duas manifestações centrais são a (i) corporate opportunity doctrine (proibição de se apropriar de oportunidades da sociedade) e as (ii) conflicting interests transactions (transações com conflitos de interesses).

No caso Northeast Harbor Golf Club v. Harris, o administrador foi responsabilizado por adquirir para si um terreno que poderia beneficiar a sociedade, violando o dever de lealdade. Já o §144 do DGCL estabelece as condições para validar transações com conflitos de interesses: aprovação por administradores independentes ou pelos acionistas bem informados, ou se forem justas para a sociedade.

d. Boa-fé

A boa-fé é considerada uma subcategoria do dever de lealdade. Em casos como The Walt Disney Company Derivative Litigation e Stone v. Ritter, o Supremo Tribunal do Delaware consolidou que a violação da boa-fé implica um comportamento mais culposo que a negligência grave, e que o dever de supervisão (duty to monitor) também integra o dever de lealdade. A jurisprudência evoluiu no sentido de responsabilizar os administradores por falhas sistemáticas na supervisão da atividade da sociedade, conforme visto nos casos Caremark e Goldman Sachs.

3. A BJR no Direito Português

No ordenamento português, a BJR foi introduzida com a reforma de 2006, no n.º 2 do artigo 72.º do CSC, sendo indissociável das alíneas a) e b) do artigo 64.º, que consagram os deveres de cuidado e lealdade. O legislador acolheu a filosofia da BJR com importantes adaptações.

Enquanto no Delaware a BJR funciona como uma presunção a favor dos administradores, cabendo ao autor da ação provar a sua violação, em Portugal o ónus da prova é revertido: o administrador, acionado judicialmente, deve provar que agiu informadamente, de forma leal e segundo critérios de racionalidade empresarial.

a. Dever de Cuidado

Conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo 64.º do CSC, exige-se dos administradores diligência equivalente à de um gestor criterioso e ordenado. Este dever abrange: (i) controle da atividade da sociedade; (ii) recolha e avaliação da informação relevante; (iii) decisões fundamentadas em critérios de racionalidade empresarial; e (iv) atuação perante irregularidades.

Inclui também o dever de disponibilidade — o administrador deve dedicar-se prioritariamente às funções para as quais foi eleito — e o dever de atualização constante sobre a atividade da sociedade. A jurisprudência e a doutrina são unânimes em considerar que a violação do dever de cuidado implica responsabilidade se a decisão de gestão não for informada nem prudente.

b. Dever de Lealdade

Consagrado na alínea b) do artigo 64.º do CSC, o dever de lealdade inclui a proibição de atos de concorrência com a sociedade, de aproveitamento de oportunidades de negócio e de conflitos de interesses não revelados. Exige-se que os administradores atuem exclusivamente no interesse social, ponderando os interesses dos acionistas e outros stakeholders, como trabalhadores e credores, especialmente nos objetivos de longo prazo.

A doutrina portuguesa, em linha com autores como Coutinho de Abreu e Paulo Câmara, defende que o dever de lealdade implica não apenas abstenção de condutas impróprias, mas também a promoção ativa do bem-estar da sociedade, numa lógica de boa-fé qualificada.

4. Comentários Finais

No Delaware, o dever de supervisão é incorporado ao dever de lealdade, o que impede que a cláusula de exculpação do §102(b)(7) sirva para excluir a responsabilidade pela sua violação. Já em Portugal, o dever de supervisão é considerado parte do dever de cuidado, o que evita preocupações com a eventual desresponsabilização via cláusulas estatutárias (não permitidas no ordenamento nacional).

Enquanto no sistema americano a BJR se presume a favor do administrador, no direito português a regra opera como exceção à regra da responsabilidade, exigindo que o administrador prove sua diligência e lealdade. Trata-se, assim, de um modelo mais exigente e protetivo dos interesses sociais e dos acionistas minoritários.

Conclui-se que a receção da BJR no direito português revela uma tentativa formal de equilibrar a autonomia dos administradores com a responsabilidade na gestão, mas que, na prática, resulta num regime mais restritivo do que o modelo norte-americano, colocando os administradores numa posição processualmente mais vulnerável.


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11 de julho de 2025

TACLE em destaque na ECO / Advocatus

O lançamento da TACLE foi notícia na ECO / Advocatus, uma publicação de referência em Portugal, na intersecção entre a advocacia e a economia.
Abaixo partilhamos a transcrição completa da notícia publicada a 9 de julho de 2025, da autoria de Filipa Ambrósio de Sousa.

📎 Ler artigo original:
https://eco.sapo.pt/2025/07/09/novo-player-juridico-teresa-arriaga-e-cunha-cria-a-tacle-para-corporate-imobiliario-e-imigracao


Novo player jurídico: Teresa Arriaga e Cunha cria a TACLE para Corporate, Imobiliário e Imigração

A TACLE apresenta-se como uma boutique jurídica para acompanhar clientes nacionais e internacionais com foco em Pessoas – Imigração, Imobiliário e Património – e no lado corporate.

Teresa Arriaga e Cunha cria a TACLE para oferecer uma gestão jurídica em Corporate, Imobiliário e Imigração. A TACLE apresenta-se como uma boutique jurídica para acompanhar clientes nacionais e internacionais com foco em Pessoas – Imigração, Imobiliário e Património – e no lado corporate, nas PMEs e setor do empreendedorismo e inovação.

Este conceito tem como base a oferta e visão de Legal Housekeeping – gestão organizacional jurídica corrente – e diz respeito às práticas de manter documentos, processos e compliance legal de empresas e indivíduos organizados, atualizados e em conformidade.

“A abordagem adotada pela TACLE representa uma tendência emergente em Portugal e já consolidada em mercados como o norte-americano ou britânico. Trata-se de um modelo que encara a gestão jurídica como um serviço contínuo, proativo, ágil e integrado. Em Portugal, embora esta prática seja reconhecida em contextos corporativos, a TACLE aposta em expandi-la, adaptando-a à realidade jurídica de famílias, pessoas singulares, PMEs e start-ups, conferindo-lhe forma e conteúdo alinhados com as suas necessidades específicas.”

Teresa Arriaga e Cunha, fundadora da TACLE, assinala:

“A TACLE nasce da convicção de que o Direito deve ser um facilitador e não um entrave, e de que a advocacia pode e deve evoluir para outro perfil de oferta, com modelos mais próximos, transparentes e adaptáveis. A criação da TACLE representa a materialização dessa visão, sendo uma proposta contemporânea, centrada nas pessoas e preparada para os desafios de um mundo em constante mudança.”

Licenciada em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, completou na mesma instituição o Mestrado em Direito e Gestão, bem como uma pós-graduação em Sociedades Comerciais. Prosseguiu os estudos com um LL.M. (Master of Laws) na Washington University em St. Louis, nos EUA.

Antes de fundar a TACLE, trabalhou em várias sociedades de advogados nacionais e internacionais, com prática focada em Direito Imobiliário, Direito Societário e Direito da Imigração – incluindo Ferreira Pinto & Associados, Garrigues e LVP Advogados. Foi ainda Legal Counsel nos CTT – Correios de Portugal.

Para além dos vetores Corporate, Património e Imobiliário e Imigração, a TACLE aposta numa metodologia de quatro passos para quem investe, vive ou empreende em Portugal: Check-up Jurídico, Diagnóstico Legal, Plano de Ação Personalizado e Acompanhamento Contínuo.

“Tal como o acompanhamento prestado por um médico de família ou um gestor de ativos, a TACLE tem como objetivo ‘arrumar a casa jurídica’ de uma pessoa ou empresa, com clareza e segurança”, conclui Teresa Arriaga e Cunha.

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